Acumuladores X Colecionadores

Como tenho um blog que fala sobre o vinil, não poderia continuar indiferente ao assunto que está correndo os fóruns e grupos de colecionadores nessas últimas semanas. Mas não quero ser polemista, pois o objetivo desse artigo é apenas debater o assunto e por isso vou ser bastante consciencioso.
Estou falando de Zero Freitas, o milionário do vinil que está comprando coleções e acervos em todo mundo com o objetivo de adquirir todos os vinis produzidos no Brasil. Depois da matéria no jornal New York times, o ápice da proeza de Freitas foi a compra da coleção de 700 mil discos do seu vice, Manezinho da Implosão, dono do maior acervo do Brasil até então, matéria publicada pela Folha de S. Paulo nessa semana.
Não vou entrar em detalhes a respeito do acervo de Zero Freitas, por isso não vou postar fotos nem vídeos da sua imensa “acumulação”, afinal o que levou a escrever essa matéria foi a indignação que Zero casou em diversos colecionadores de vinil após o aparecimento e as compras sucessivas e sem critério.
Foto: Sebastián Liste/Noor, for The New York Times. Reprodução.
Primeiramente, é válido ressaltar que atualmente no mercado do vinil existem cinco grupos:
  • Os amadores ou modistas: adquirem vinis apenas por estar na moda. Geralmente procuram bandas e cantores(as) mais conhecidos, chegando a pagar altos preços por alguns títulos.
  • Os hobbystas: adquirem vinis apenas por hobby, usando pouco ou nenhum critérios para escolha dos vinis.
  • Os acumuladores ou juntadores: adquirem grandes acervos, sem nenhum critério de escolha, apenas para possuir um título.
  • Os colecionadores: adquirem pequenas quantidades de vinis, alguns raros, com vários critérios de escolha, visando não só a qualidade do som como também da apresentação visual.
Foto: De Volta Para o Vinil - Diego Kloss
  • Os audiófilos: adquirem vinis bem específicos, tentando alcançar um nível de qualidade de som mais próxima possível da gravação original, através de aparelhos de alta fidelidade. Nesse grupo, não leva-se em conta somente o conhecimento em música, mas envolve também questão física do som, por isso as constantes adaptações, regulagens e trocas de equipamentos.
www.hificlube.net
Depois de entender essa breve classificação, vamos conhecer um pouco sobre Zero Freitas ou José Roberto Alves Freitas, músico formado pela Escola de Comunicação e Artes da USP. 
Trecho retirado da revista Exame:
 [...]Segundo o jornal americano, Freitas compra discos compulsivamente desde 1964, quando adquiriu o primeiro, “Roberto Carlos Canta Para a Juventude”. Na faculdade, já tinha 3.000 LPs. Hoje são milhões, mas não se sabe exatamente quantos. Sabe-se que apenas uma das coleções compradas por ele tinha 3 milhões de exemplares e que só de Roberto Carlos são mais de 1.700. Freitas nem faz questão de saber o que está comprando por que suas intenções parecem ser maiores que a de um colecionador comum. Em vez de reunir objetos que gosta, o brasileiro quer acumular e preservar toda a música já registrada neste tipo de mídia na história. Por isso mantém olheiros em Nova York, África do Sul, Cairo e Nigéria procurando coleções à venda. Comprar desse jeito, é claro, só podia dar em caos. Freitas, que ficou rico com sua empresa de ônibus que opera em São Paulo, acabou obrigado a usar os galpões de seu outro negócio (uma empresa de aluguel de equipamentos para shows e eventos) para guardar os discos. Doze universitários foram contratados para organizar, fotografar e catalogar digitalmente os vinis e tentar dar alguma ordem ao mar de discos. Em uma espécie de linha de produção, mais ou menos 500 são registrados por dia, com nome, artista, ano, gravadora e antigo proprietário. Em mais ou menos 20 anos, os registros estariam prontos se Freitas parasse de comprar. Mas ele não vai parar.[...]

Há dois anos, Zero conheceu um arquivista de música de Nova York chamado Bob George e imaginou que poderia fazer o mesmo: disponibilizar a coleção pessoal como um arquivo para que as gravadoras e pesquisadores encontrem musicas, cantores(as) e bandas de difícil acesso. Em países como Reino Unido e EUA, a maior parte dos discos de vinil já foi digitalizada e no Brasil apenas 80% do acervo passou por esse processo. Segundo Freitas, a idéia é digitalizar quase todo acervo, porém o mais importante é preservar o formato do vinil, pois o vinil se bem cuidado pode durar para sempre.

musica.uol.com.br
Freitas começou recentemente a preparar o seu armazém para um negócio próprio, que ele apelidou Emporium Musical. No ano passado, ele recebeu autorização federal para importar registros usados ​​- uma atividade que não havia sido explicitamente permitido por autoridades brasileiras até então. Para saber mais informações leia a matéria “The Brazilian Bus Magnate Who’s Buying Up All the World’s Vinyl Records” do jornal NY Times.
Depois de ler algumas matérias e opiniões de diversos colecionadores, pude perceber que o fato de Zero Freitas ser milionário e comprar coleções que quase ninguém teria acesso, não incomoda a grande maioria. O que incomoda de fato é a prepotência da ambição e o simples fato de milhares de vinis, apesar de conservados, ficarem arquivados sem ver a cor de uma agulha por longos anos. A seguir algumas opiniões interessantes que extrai de alguns fóruns:

“Vinil é feito para tocar e não para se acumular as caixas dentro de imensos galpões”
 “O fato de digitalizar o acervo não pode ser usada como desculpa para o acúmulo dessa imensa quantidade de vinis, principalmente os repetidos”.
Foto: Diego Kloss - De Volta Para o Vinil
“É triste, pois para nós que realmente apreciamos os bolachões pela música e valor artístico, com certeza muitas das raridades que garimpamos vão ficar comendo poeira na mão desse ‘acumulador’.”
“Gosto de ter uma coleção onde possa apreciar visualmente. Muitas vezes pego uma coleção de um grupo e levo tudo para a cama e lá fico passando um a um, vendo as capa e encartes.”
“Zero está tirando muita coisa boa de circulação apenas pelo prazer de guardar.”

Outro fato que causa indignação na maioria dos colecionadores é preço pago pelos vinis: Zero não chega a pagar nem 1 real por vinil. Entretanto, o fato é que ninguém tem essa grana toda para comprar uma coleção inteira e, se tivesse, será que não faria algo parecido?

Não entendo o porquê das críticas...é um direito que ele tem. Se tem dinheiro e espaço, ele é livre para acumular os discos [...] acredito que a maioria que está criticando, se tivesse todo esse dinheiro, regalaria a si mesmo com esse tipo de luxo...”

Achei bem interessante as discussões nos fóruns, mas o fato é que Zero Freitas vai continuar acumulando mais e mais vinis, ou melhor juntando, pois o termo refutado por ele é “juntador”. Em breve, ele cairá no esquecimento, apesar das boas intenções.
Assim, já disse e reafirmo que o que realmente me preocupa é a recente massificação do vinil e os preços abusivos praticados por grande parte dos vendedores pelo Brasil a fora e não o fato de Zero Freitas ter comprado uma outra coleção com baixo custo por unidade. Em suma, a volta do vinil foi benéfica até certo ponto, afinal alguns títulos até então impensáveis no formato começaram a surgir. Entretanto, essa massificação acarretou no aumento de “amadores e hobbycistas” e pior, na prática de preços absurdos mediante a procura por alguns títulos.
Percebi isso na última Feira do Vinil: queria comprar um disco do Cartola. Sei que ele raro e caro, já vi sendo vendido na faixa de R$ 90,00 a R$ 120,00 há alguns anos atrás, até compraria por esse valor, mas estavam pedindo R$ 250,00. Logicamente não comprei, achei um absurdo a prepotência do vendedor em cobrar esse valor. O problema e que alguém irá pagar esse preço e isso alimenta ainda mais a ambição dos vendedores.
Enfim, se Zero tem dinheiro para comprar e tem alguém que queira vender coleções inteiras o que podemos fazer... Cabe a nós colecionadores deixar os acumuladores de lado e continuar garimpando, pechinchando ou comprando pela internet, na busca incessante por grandes títulos em nome da boa música.