Conexões 10 | Neigmar Vieira bate-papo com Waltel Branco

Para a sétima entrevista da seção Conexões, o nosso parceiro Neigmar Vieira do Lado A Discos, resolveu resgatar uma entrevista que ele fez em 2004 com o maestro, compositor, instrumentista e arranjador Waltel Branco.
Ele é considerado um dos maiores violonistas do mundo. Nascido em Paranaguá – PR, em 1929, Waltel foi aluno de Bento Mossurunga, Pe Penalva e Andrés Segóvia. Tocou ao lado de inúmeras personalidades da música popular internacional, como: Buddy Guy, Paco de Lucia, Chick Corea, Miroslav Vitous, Dizzy Gillespie, Françoise Hardy, Laurindo Almeida e Freddy Cole. Também foi músico particular do Rei da Espanha.

Foto: Cido Marques
Todos os direitos reservados a Fundação Cultural de Curitiba FCC.
Waltel também atuou como maestro da TV Globo, compondo diversas trilhas, entre elas a da série O Tempo e o Vento atribuída a Tom Jobim. Deu aulas de violão para Bola Sete, Baden Powell, Roberto Menescal e Raphael Rabello. Emprestou seu violão para Djavan gravar seu primeiro Lp e João Gilberto cancelaria um show no Teatro Guaíra em Curitiba, se Waltel não estivesse na plateia. Muitas histórias envolvem esse lendário músico de 75 anos, foi em um clima informal que ele concedeu esta entrevista para a poeira Zine na loja Vinyl Club em Curitiba.
A entrevista foi publicada em dois veículos, primeiro no Manifesto Arte em Junho de 2004. O Manifesto foi um jornal independente curitibano de Arte e Cultura que circulou de Março de 2003 a Outubro de 2004. Depois foi publicada na Poeira Zine nº 06 de Novembro / Dezembro do mesmo ano.
Segundo o Neigmar "Foi uma das minhas primeiras entrevistas, talvez a primeira. Senti a responsabilidade e pedi ajuda a um amigo para elaborar as perguntas."

Foto: Maringas Maciel
waltelbranco.blogspot.com
Nei (Poeira Zine): 1 - Como foi sua iniciação musical?
Waltel Branco: A minha iniciação musical deu-se em Campo Grande – MS, meu pai era militar e foi transferido para lá. Meu primeiro instrumento foi bateria depois passei para o violão porque adorava, e ainda adoro Bach (1685 – 1750). Mais tarde ganhei um concurso na França e como prêmio fui para a Espanha ter aulas com Andrés Segóvia (1893 – 1987).

Nei (Poeira Zine): 2 - Dos músicos paranaenses o Sr. foi um dos poucos que conseguiu reconhecimento nacional e internacional. A que o Sr. atribui esse reconhecimento?
Waltel Branco: Não sei, acho que foi a aproximação que fiz entre o erudito e o popular, e dentro do popular as misturas que fiz entre os gêneros.

Nei (Poeira Zine): 3 - Quais eram os violonistas de destaque quando o Sr. começou a tocar?
Waltel Branco: Garoto (Aníbal Augusto Sardinha 1915 – 1955), um dos melhores que vi e grande compositor; Zé Menezes, Nestor Campos, Domingos (que tocava com Dick Farney), Baden Powell (Roberto Baden Powell de Aquino 1937 – 2000), Durval Ferreira, Boneca (extraordinário guitarrista).

Nei (Poeira Zine): 4 - Quando Fidel Castro e Che Guevara tomaram a ilha de Cuba, o Sr. morava lá? Quais são suas lembranças?
Waltel Branco: Foi em 1958 né? Saí de bobo, Fidel era meu amigo e era músico, mas outro músico que tocava comigo, Perez Prado, não era da turma do Fidel era mais ligado ao Fulgencio Batista. Então fomos para Nova York tocar salsa, aí que começou a parceria com Dizzy Gillespie.

Foto: Alberto Krawczyk
waltelbranco.blogspot.com
Nei (Poeira Zine): 5 - Tocar com Dizzy Gillespie ou Buddy Guy deve ter sido um privilégio. Como foi conviver com eles?
Waltel Branco: Pessoas simples e agradáveis queriam apenas tocar, para eles não interessava outra coisa.

Nei (Poeira Zine): 6 - Dos shows que o Sr. fez dentro e fora do Brasil, tem algum que considera inesquecível?
Waltel Branco: Quando os EUA completaram 300 anos de alguma coisa (Seu Waltel não se lembra de que data era – provavelmente era o aniversário de 200 anos da independência americana declarada em 4 de julho de 1776) fui convidado a tocar violão com Chick Corea no piano e Miroslav Vitous no baixo, na Casa Branca para o presidente Gerald Ford (38º presidente norte americano entre 1974 e 1977). Lá pelas tantas o presidente resolveu tocar piano (lá todo mundo é músico) e para nossa surpresa ele tocava mais que o Chick Corea (risos).

Nei (Poeira Zine): 7 - Qual violão e qual encordoamento o Sr. usa?
Waltel Branco: O Reinaldo Di Giorgio fez quatro violões para mim, o meu preferido é o que aparece na capa do disco Violão/Recital (1965 – CBS). Ele disse que não estava pronto, mas quando ouvi o som dele não deixei mexer. O encordoamento é La Bella 906.

Nei (Poeira Zine): 8 - Conte um pouquinho da experiência como músico particular do Rei da Espanha.
Waltel Branco: O Antônio Carlos Jocafi foi participar do MIDEM (maior encontro mundial de empresas ligadas à música. É organizado a cada ano, desde 1967, em Cannes na França) e fui junto. Lá pelas tantas havia uma apresentação e fui fazer a minha só com violão. Toquei bastante música brasileira. De repente alguém na plateia pediu música espanhola. Eu disse que não era adequado, pois eu era brasileiro e poderia soar constrangedor… Mas alguém me avisou que era um pedido do Rei da Espanha D. Juan de Bourbon (1913 – 1993, pai do atual monarca Juan Carlos da Espanha). Toquei tudo o que sabia e para minha surpresa ele me contratou como músico particular por dois anos.

Foto: J.Luiz Maranhão
http://waltelbranco.blogspot.com.br/
Nei (Poeira Zine): 9 - Como foi ser maestro da Rede Globo de Televisão por mais de 40 anos? 
Waltel Branco: Olha foi o estopim da minha arte, os trailers inseridos nas novelas (re – arranjos de músicas que entram como fundo musical para que combinem com a cena do personagem) me obrigava a estudar. O Daniel Filho me cobrava muito e isso foi o meu melhor estudo. Um exemplo foi a série O Tempo e o Vento. A Globo encomendou a trilha sonora para o Tom Jobim que levou dois anos para compor. A uma semana da estreia ele entregou e um diretor não gostou. Me chamaram e tive que fazer a trilha em uma semana! Como eu era funcionário não pude recusar. A essa altura o nome do Tom já estava nos créditos e não poderia ser retirado, ele deixou uma carta no ECAD (Escritório Central de Arrecadação de Direitos Autorais) para que eu recebesse e o nome do compositor saiu como Tom Jobim.

Nei (Poeira Zine): 10 - Dos discos lançados na Europa ou fora do Brasil, como está a questão dos direitos autorais? 
Waltel Branco: Eles pagam, mas tenho que ficar em cima. Esses dias foram lançados quinze CDs de trilhas minhas de novelas da Globo no Japão, isso sem eu saber. Todo mundo conhece menos o Brasil. O ECAD ajuda, mas não muito e existe trapalhada em qualquer lugar do mundo. Lá fora um dos meus nomes artísticos é W. White e uma vez o Barry White me ligou para devolver dinheiro (risos…).

Nei (Poeira Zine): 11 - Para encerrar, que tal o Sr. citar mais algum violonista? 
Waltel Branco: O Cláudio Menandro, um baiano radicado no Paraná que gravou músicas minhas muito bem, a Badi Assad, Jodacir Damasceno e Turíbio Santos.

Sobre Waltel Branco
Foto: Cido Marques
Todos os direitos reservados a Fundação
Cultural de Curitiba FCC.
Waltel Branco nasceu em Paranaguá, no dia 22 de novembro de 1929.
De uma família em que a música fazia parte, iniciou-se nesta arte já muito cedo, por meio da bateria, do violão e posteriormente do cavaquinho e violoncelo, vindo ainda a estudar harpa e órgão. Sua infância e adolescência foi marcada pelo estudo da música e religião alternando entre as cidades de Curitiba e Rio de Janeiro. Seus estudos musicais se consolidaram no período em que esteve no seminário com o chileno Joquín Zamacois. Entre seus mestres da época, nomes como Bento Mossurunga, Padre José Penalva, Jorge Koshag, Stanley Wilson e Alceo Bocchino contribuíram para sua formação.
Em Curitiba formou uma jazz-band junto com seu irmão Ismael Branco bateria e com a então revelação Gebran Sabag piano, em 1949 rumou para o Rio de Janeiro e em seguida para Cuba ainda na juventude juntamente com a cantora Lia Ray para ser o arranjador, diretor musical e violonista do conjunto que formaram. Neste país, teve a oportunidade de tocar com Perez Prado, Mongo Santamaria e Chico O’Farrel, ajudando a criar a mistura de jazz, música cubana e brasileira que veio a alterar a Salsa e posteriormente influenciar o Jazz-fusion, do qual Waltel é considerado um dos precursores.
Já nos Estados Unidos por volta de 1952/53 integrou o trio do baterista Chico Hamilton, voltando ao Brasil teve importância fundamental na formatação da Bossa Nova morando em uma pensão junto com João Gilberto, com quem desempenhou longa parceria sendo arranjador e amigo desde então. Depois de pequenas passagens pela Europa e Ásia, Waltel decide estudar música e trilha sonora, rumando novamente aos Estados Unidos onde teve contato com a música incidental do maestro Instanley Wilston e com o violonista Sal Salvador, que por sua vez tocava com Nat King Cole, com quem Waltel veio a formar um trio além de produzir um disco para o irmão Fred Cole e para a filha Natalie Cole. Mais tarde conheceu a cantora Peggy Lipton (que casou-se com Quincy Jones) e sua irmã Lede Saint-Clair, com quem veio a se casar. Com a carreira agitada pelo jazz e pela música erudita em meio a grandes nomes acabou por conhecer o maestro Henry Mancini e a integrar a equipe que este comandava, responsável por várias trilhas sonoras e composições, entre as quais a famosa Pantera Cor-de-Rosa. Ainda nos Estados Unidos trabalhou e gravou com Franco Rosolino, Charles Mariano, Sam Noto, Dizzy Gillespie, Mel Lewis e Max Bennet.
Foi em 1963, longe de casa, que o maestro veio a se encontrar com o empresário Roberto Marinho que reconhecendo seu talento o chamou para a então jovem Rede Globo onde viria a compor um time seleto de músicos da emissora junto a Radamés Gnatalli, César Guerra Peixe e Guido de Moraes.


No Rio de Janeiro, gravou os discos "Guitarra em Chamas" 1 e 2 juntamente com o violonista Baden Powell e, tendo contato com a então inovadora bossa nova participou dos arranjos de "Chega de Saudade" de João Gilberto, com quem veio a trabalhar por um longo período.
Morando na Espanha acabou por vencer um concurso da Rádio Difusora Francesa e veio a estudar violão com Andrés Segovia, um dos maiores violonistas do mundo. Em Roma esteve com Chico Buarque, Elis Regina, João Gilberto e diversos outros músicos brasileiros e estrangeiros. Chegou até mesmo à Índia, onde lecionou música ao lado de maestros renomados. Em Cuba, o governante Fidel Castro solicitou ao maestro Quem Brower que recuperasse a autenticidade da música cubana, e para tanto, Waltel foi chamado. Viajou boa parte da Europa e, aliás, boa parte do mundo.
O maestro não parou mais de trabalhar, com inúmeras trilhas, mais de 5000 composições (ao longo da carreira), incontáveis arranjos e participações, além de espetáculos e shows que até hoje realiza em todo o Brasil e exterior.
Waltel Branco tocou com Dorival Caymmi, Nana Caymmi, João Gilberto, fez arranjos para Roberto Carlos, Cazuza, Tim Maia, Djavan, Cartola, Gal Costa,Maria Creuza, Vanuza, Mercedes Sosa, Astor Piazzola, Zé Keti, Peri Ribeiro, Sérgio Ricardo, Tom Jobim, Tomaz Lima e muitos outros, chegando até a fazer um arranjo do Hino Nacional Brasileiro para a Orquestra de Viena executar. Seria difícil encontrar músico brasileiro (e mesmo estrangeiro) com quem Waltel não tenha trabalhado. Teve músicas gravadas por diversos artistas como Elis Regina no Brasil, e Eva Fampas na Grécia. Alguns dos seus discos de início de carreira são hoje considerados raríssimos e já ultrapassam o valor de US$200,00 no mercado para colecionadores.


Em 2001 o Maestro assumiu a regência da OSPG - Orquestra Sinfônica de Ponta Grossa, para a qual musicou o poema "Os poentes da minha terra" de Anita Philipovsky. Em 2004 Waltel Branco foi eleito presidente do Fórum de Música do Paraná, engajando-se na defesa da música brasileira junto as esferas públicas como Câmara Setorial de Música do Ministério da Cultura e Conferência Nacional de Cultura. Ainda em 2004 é destacado no livro A[des]construção da Música na Cultura Paranaense de Manoel J. de Souza Neto o que resulta em série de homenagens ao mestre, que constantemente é chamado para receber comendas, ou proferir palestras, entrevistas e participar de eventos acadêmicos onde divide seus conhecimentos. Além disso, teve um breve relato de sua história contada através do já premiado documentário "Descobrindo Waltel",(2005) de Alessandro Gamo, onde ilustres personalidades como Ed Motta, Roberto Menescal e o Maestro Julio Medaglia entre outros, ajudam a contar a vida do mestre. Recentemente o comentarista Luiz Nassif escreveu artigo referindo-se a Waltel como grande mestre da música brasileira que ainda espera por reconhecimento.
Atualmente, gozando de sua aposentadoria após mais de 20 anos dedicados a Rede Globo, Waltel reside em Curitiba / PR dedicando-se a muitas atividades, não sendo raros seus concertos em teatros de todo o Brasil e eventualmente do exterior. Em 2007 lançou o disco "Meu Novo Balanço" com músicas de outros dos seus álbuns e algumas inéditas como "Fera Pantera" na qual, por sugestão de Chico Buarque faz uma versão da música da Pantera Cor de Rosa voltada para educação. Neste ano ainda foi "Artista Homenageado" pelo Festival de Artes do estado do Paraná. No dia 22 de Novembro de 2008 foi lançado em Curitiba o livro "A Obra para Violão de Waltel Branco", com mais de 40 partituras revisadas por Cláudio Menandro. O livro contém ainda um resumo detalhado de sua biografia.
Em 2013, a Corrente Cultural de Curitiba leva o seu nome.



Pra conhecer um pouco mais sobre Waltel Branco visite:
waltelbranco.blogspot.com
correntecultural.com.br/2013/waltel