Maior acervo de discos de 78 rpm de MPB será futuramente disponibilizado ao público

O Instituto Moreira Salles adquiriu o maior acervo particular de discos de 78 rotações de música popular brasileira do País, reunido pelo pesquisador e colecionador Leon Barg, falecido em 2009.
O acervo abrange cerca de 31 mil lançamentos das primeiras seis décadas dos 1900. A estimativa do IMS é de que a coleção corresponda a 80% de toda a discografia nacional lançada no período: de artistas célebres como Carmen Miranda e Francisco Alves a títulos pouco conhecidos de gravadoras pequenas de todas as regiões brasileiras.
Foto: www.jws.com.br - Reprodução
O pesquisador e maior colecionador de discos de música brasileira, Leon Barg, 79 anos, faleceu em 12 de outubro de 2009, em Curitiba, cidade que adotou nos anos 1950 e onde vivia com sua família. Suas filhas trabalhavam com ele em sua gravadora Revivendo, especializado em relançar em CD os mais importantes discos de 78 rpm e LPs (principalmente) nacionais. Todos os títulos lançados saíram da coleção do próprio pesquisador, que contava com um acervo com mais de 120 mil exemplares.
A gravadora já lançou mais de 140 CDs, distribuídos em 500 lojas de vários estados. Graças a sua metódica paixão por música e ao faro de pesquisador, Barg conseguiu colocar no mercado registros como os do box “Raros Compassos”, com três CDs. Ela reúne gravações pouco conhecidas de composições de Tom Jobim que só Leon Barg seria capaz de guardar. Uma das pérolas desse box é a interpretação do clássico "Eu Sei que Vou te Amar" pela obscura dupla sertaneja Mara e Cota, do interior paulista.


"O que faço é manter viva a história da música", dizia Barg, com os cabelos desgrenhados e as idéias articuladas. Nem sempre o trabalho é suave como o som digital. Há ruídos entre a pequena gravadora curitibana e algumas gigantes do setor, que já tentaram impedir lançamentos. Apesar de podia a gravação rara em casa, Barg só pode relançá-la com a autorização da editora da música. "Alguns burocratas não liberam o uso e também não querem relançar os discos. Mas geralmente encontro pessoas com bom senso", afirmava. O sucesso dos CDs Revivendo fizeram com que essas mesmas gravadoras investissem no material, com obras de Francisco Alves, Carmen Miranda e outras estrelas desaparecidas das prateleiras. "Hoje eles são nossos maiores competidores", diz a filha Lilian, coordenadora das finanças.
Acervo. Leon Barg em sua casa em Curitiba, em 1988
 Foto: Ivone Bueno/Acervo Estadão - 16/11/1988
Barg é do Recife, onde aprendeu a amar a música. "No tempo da Grande Guerra, por causa da base americana, a cidade recebeu muitas orquestras", lembra o colecionador. Funcionário de uma empresa de extintores, foi parar em Curitiba, para onde levou a mania de comprar tudo o que via pela frente. Nos anos 70, já possuía mais de 20 mil títulos. Resolveu então abrir uma loja de instrumentos e discos. "Lá percebi que havia procura por artistas antigos. As pessoas perguntavam por canções do passado, e estava tudo fora de catálogo", recordou.
As primeiras cinco coletâneas foram editadas pelo colecionador ainda em vinil. Depois desse fato, Barg não parou mais. Quando não estava sentado diante da parafernália eletrônica e digital, costumava folhear um antigo bloco a que chama de "bíblia". Ali haviam várias séries numeradas de discos, parecidas com álbuns de figurinhas. As listas são separadas por gravadoras, a maioria delas extinta. Barg riscava um número a cada exemplar que conseguia dos 35.500 lançamentos entre 1902 e 1964, "Um dia terei todos" ele dizia.
Barg não possui o primeiro disco gravado no Brasil, que a “bíblia” diz ser o de no 10.001 da Zonophone com "Isto é Bom", do cantor Bahiano em estilo lundu, de 1902. Mas ele ressalva: "Não conheço ninguém no país que tenha esse disco". Porém, Barg possui o de no 10.002, com "Bolinbolacho", do mesmo Bahiano. Outra raridade de que se vangloria: a interpretação de Carmen Miranda, pelo selo Brunswick, do choro "Se o Samba é Moda". "Passei 55 anos atrás desse exemplar", conta. Sem falar no seu xodó, os “Odeonettes”, discos com o tamanho dos atuais CDs, lançamentos da década de 20 que não vingaram no mercado e são guardados por Barg como um troféu.



Após a morte de Leon, as filhas iniciaram um trabalho de preservação de todo o acervo do pai. Houveram especulações de que o material seria distribuído comercialmente em plataformas digitais, porém o alto custo foi um problema. Agora, a proposta mais contundente foi a transferência do cervo para o Instituto Moreia Salles, no Rio de Janeiro.
A coordenadora de música do IMS, Bia Paes Leme, explica que o objetivo da entidade é oferecer ao público o maior material para pesquisa possível, e mesmo com os 20 acervos que o instituto abriga atualmente, a discografia ainda estava longe de ser completa.
"Eles não foram colecionadores preocupados em completar o álbum de figurinhas", explica Bia. "Nós entendemos que precisávamos completar o álbum. Ao invés de recortes curatoriais, tentar ampliar ao máximo, porque a música desse período é um patrimônio nacional. Leon Barg era reconhecidamente o maior colecionador do Brasil. Admirado e amigo de todos, tão diligente e dedicado a isso que viajava o Brasil inteiro de carro em busca dos discos."
Acervo. Leon Barg em sua casa em Curitiba, em 1988
Foto: Ivone Bueno/Acervo Estadão - 16/11/1988
Segundo informações levantadas pelo jornal a Gazeta do Povo, os discos do acervo já foram transportados de Curitiba para a sede do IMS no Rio de Janeiro. As próximas fases englobam higienização, catalogação completa, digitalização das canções e a colocação à disposição de pesquisadores e público - trabalho previsto para iniciar em 2020.
"A operação foi inacreditável", conta Bia. "Foram três caminhões, os discos foram embalados em caixas de madeira especiais. A transportadora mandou uma equipe de seis homens, e mais três da nossa equipe foram supervisionar. Levamos seis dias para embalar. Eram caminhões novos, com uma suspensão maravilhosa (risos), sem empilhar as caixas. Agora, está aguardando um espaço para começarmos a trabalhar aqui."
"Ela conta que o IMS vai colocar no ar um site chamado Discografia Brasileira. "O site está pronto", diz Bia. "Vamos colocar no ar o acervo de discos que já temos, mais as digitalizações do Leon", explica, lembrando que existem sobreposições. "Com a notícia do acervo, acredito que vamos conseguir que outras instituições colaborem, além de pequenos colecionadores. Eu mesma conheço alguns que possuem várias coisas que não temos. A ideia é construir e reunir nesse site o maior acervo de gravações de 78 rotações existente."
Podemos dizer que, Leon Barg era considerado por pesquisadores, críticos e historiadores da música brasileira um amigo generoso, um pesquisador sério e um apaixonado pela nossa música.
Barg vai fará muita falta para a história da música brasileira, mas deixa um belo legado para ser lembrado, primeiro pelos títulos lançados pela gravadora Revivendo e agora, por esse acervo que será catalogado pela IMS e compartilhado com o público futuramente.

Fontes
https://www.metro1.com.br
https://www.gazetadopovo.com.br
https://www.culturabrasil.cmais.com.br
https://cultura.estadao.com.br
https://www.jws.com.br/